FIDJU KITXORA: Um Tremendo Salto de Fé

Fidju Kitxora by Johnny Pitts

Foto: Fidju Kitxora

2024 é o ano dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, que significaram o fim do fascismo e o acesso à liberdade, mas também, meses depois, já em 1975, a independência dos países africanos de língua oficial portuguesa.


Também ano do centenário do nascimento de Amílcar Cabral, decisivo na independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau e com influência no desencadear de Abril. É também ano da edição de “Racodja“, ideia materializada em Abril, do projeto Fidju Kitxora que, lentamente, se revela. Uma aventura individual, de DJ, produtor e organizador de sons, que se assume como coletiva, compondo a partir de fragmentos sonoros e vocais, de diferentes temporalidades, memórias, paisagens e imaginários.


É particular pela respiração, vibração, vontade de juntar corpos por entre feridas em aberto e afetos, deixando-se ir sem medo de se perder. No seu gesto de atribuir sentido ao caos pode-se equiparar aos primeiros movimentos de Pedro Coqueñao (Batida), quando nos fez olhar para Angola, e por via disso para Portugal, como corpo político a carecer de mudança, onde a fisicalidade coabitava com a poética da denúncia.


Fidju Kitxora também tem isso, mas o seu chão é o de Cabo Verde, interrogando as diásporas europeias e, nessa demanda, claro, Portugal. Uma aventura sincrética, onde entrevemos continentes (África, Europa), linguagens sonoras (funaná, semba, kuduro, tecno, house, hip-hop), vozes e contaminações (Karlon, Pretú, Scúru Fitchádu, Princezito, Bulimundo, Os Tubarões) e temporalidades e territorialidades permeáveis.

Mas nada disso interessava verdadeiramente se não existisse uma música, revolta, viva, que gira e se solta, livre, que vai de “Lobu na sakura”, um dos temas mais estonteantes que me foi dado a ouvir este ano, um afro-tecno-funáná a explodir-nos na cara, com a voz rasgada de Scúru Fitchádu a acompanhar o ritmo endiabrado e rugoso, até “Karlon Barela”, com Princezito, num momento ambiental de lirismo desconcertante.

O individual ressoa no coletivo, as incertezas pessoais nas globalizadas, numa operação atravessada por uma energia vital redentora, capaz de captar o que é, e a potência do que poderá ser. Um tremendo salto de fé.

Novembro de 2024.

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A GAROTA NÃO: “Neste bairro vivi tantas coisas. De um trapo inventávamos o mundo. Isso continua a guiar-me.”