O ‘Louco’ e os ‘Imbecis’

Nos últimos dias devem ser as palavras que mais se lê por aí, numa menção ao “louco” do Trump e aos “imbecis” que votaram nele.

Não sei se Trump desenvolveu transtornos psíquicos na infância e não me interessa. A mim parece-me bem.  Está a fazer o que disse que iria fazer. Tem os meios. Está consciente das decisões. Ele e a oligarquia financeira que o apoia estão nas suas sete – quer dizer, neste caso, deverão ser 7000 – quintas. A violência da sua governação não é doença mental. É uma questão sociopolítica.

Nós é que parecemos aturdidos e deprimidos, não a precisar de psicoterapia, mas de discernimento. Também vejo imensa gente a culpar os “imbecis” que votaram no “louco”, regressando o enunciado de Umberto Eco que se tornou viral há uns anos – essa ideia de que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Vamos lá a ver.

A imbecilidade sempre andou por aí. Estava era restringida a quem tinha poder e privilégios, exposta em castelos de reis e rainhas, nos salões da burguesia, ou nas bolhas socioeconómicas do presente.

O problema não é tanto a disseminação de notícias falsas, mas a incapacidade de discernir criticamente. Os pressupostos que regem as redes não são assim tão diferentes da realidade offline – capitalização, lucro, esquecer o bem-comum – com o dado adicional de serem menos escrutinadas por mecanismos democráticos, porque vivemos num quadro onde a tecnologia acelera, enquanto a consciência social, a capacidade e tempo em digerir e elaborar a sobrecarga de informação, vai diminuindo. O sonho do capitalismo sem freio.

Não é isso que Trump e Musk estão a tentar fazer offline? Governação autoritária, nas tintas para a democracia, fazendo de imigrantes e minorias bode expiatório, e no final apresentando-se como solução para os humilhados atingidos pelas grandes desigualdades, para gáudio dos que concentram o poder e dinheiro.

Se não formos capazes de desmontar este ardil então os “loucos” e “imbecis” somos nós, incapazes de impor limites, manifestar, pressionar e libertarmo-nos da exploração, ao mesmo tempo que imaginamos uma outra organização social e politica, porque é ela que está profundamente doente. E não é de agora.

 

 

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