Uma exposição surpreendente: Avenida 211

Não somos grande coisa a consolidar momentos da história com os contornos bem precisos, quanto mais contextos dos quais é ainda difícil extrair todos os efeitos, porque ainda arquivo vivo.

 

Mas é isso que é tentado em “Avenida 211: um espaço de artistas em Lisboa”, exposição patente no MAC/CCC, que inaugurou há dias, e se prolonga até 5 de Abril, e com sucesso.

 

Durante quase uma década, entre 2006 e 2014, na avenida da Liberdade, Lisboa, um grupo de artistas teve à sua disposição um edifício de quatro pisos, pertencente ao banco Espírito Santo, numa lógica gratuita, embora temporária, em condições de autonomia longe das lógicas institucionais ou comerciais.  

 

Através de dezenas de obras, e múltiplos registos, reflete-se essa experiência, contextualizando-a, e expondo ecos no presente. Mérito para o trabalho de investigação (Giorgia Casara e Sara de Chiara) e para a curadoria (Nuria Enguita e Marta Mestre) que consegue, com rigor e prospeção, retratar a história de um edifício ocupado para fins artísticos graças a uma iniciativa do escultor e engenheiro civil António Bolota, a quem o Banco confiou a gestão do imóvel para, nas palavras do próprio, “uma experiência colaborativa ímpar e singular em Portugal”.

O objetivo inicial era proporcionar espaços de trabalho para artistas, tendo sido Virgínia Mota, Daniel Barroca e Francisco Tropa, dos primeiros ocupantes, mas até 2014, mais de 40 chegaram a residir no espaço (Catarina Dias, Diogo Evangelista, Gabriela Albergaria, André Guedes, Gonçalo Pena, Joana Escoval, João Maria Gusmão & Pedro Paiva, Luísa Jacinto, Pedro Barateiro, João Queiroz, André Romão, Carla Filipe e muitos outros), sem contar com as centenas que por ali passaram integrados em vários projetos curatoriais, que iam das artes plásticas e visuais à música ou à performance.

A história dessa dinâmica permite perceber o contexto cultural português – vulnerável e, por isso, adaptativo – e o ciclo de crises socioeconómicas, quase permanentes, mas com momentos em que são mais manifestas, como a financeira global de 2008 a que se seguiu a presença da Troika.

Nesse contexto, a Avenida 211, foi um laboratório de ação coletiva, revelando a exposição fluxos e conexões, entre práticas, linguagens e artistas, numa lógica transgeracional.

Uma exposição surpreendente, pelos ângulos e leituras, mesmo para quem esteve próximo daquelas ocorrências. Enquanto jornalista escrevi várias vezes sobre acontecimentos ali ocorridos. Num desses textos, “Avenida, efetivamente, da liberdade”, a propósito de um evento com curadoria dos Filho Único, um dos seus membros, Pedro Gomes, refletia: “Agrada-nos fazer isto na grande avenida de Lisboa, que não o é, num espaço sem identidade, onde podemos fazer o que nos apetece, por isso mesmo: não existe nada, podemos fazer tudo.”

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