Uma Vitória Inspiradora, Muito Além de Nova Iorque

Uma vitória histórica. Os meios de comunicação dominantes não o levaram a sério. Trump e os republicanos passaram o tempo a ameaça-lo. Grande parte dos democratas virou-lhe as costas. As elites económicas combateram-no.

Chamaram-lhe inexperiente, antissemita, comunista e os estigmas islamafóbicos foram uma constante. Mas Zohran Mamdani, 34 anos, muçulmano, de raízes africanas e indianas, pró-Palestina, defensor dos imigrantes, com politicas sociais claras, foi mesmo eleito esta madrugada para dirigir os destinos de Nova Iorque.

Os que se lhe opuseram vão agora diminui-lo e tudo fazer para que não vingue. É importante que o imaginário progressista não se difunda. Vão desvalorizar a vitória. Dizer que Nova Iorque é apenas simbolismo, com pouco significado politico. Ou que foi só a especificidade do cosmopolitismo nova-iorquino a razão do triunfo.

Vão também dizer que é uma espécie de estrela pop que sabe comunicar nas redes, ou que é apenas sorriso e performance sem conteúdo, até porque aquilo que propõe será impossível de cumprir e outras coisas que tais. Propagar o medo. Não deixar que o acreditar ponha a cabeça de fora.

O mundo não vai mudar por artes mágicas por causa dele. Não tem nada de providencial. O seu feito foi ter gerado uma onda coletiva, transgeracional e multiétnica, à sua volta – simbolizada por dois dos seus maiores apoiantes, Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Fê-lo em total contraciclo com o neoliberalismo desenfreado e o populismo musculado, discorrendo sobre habitação acessível, desigualdade, salários, saúde ou comércio local, e propondo medidas como a taxação dos super-ricos, alguns transportes gratuitos, creche universal ou congelamento de rendas.

A sua vitória significa uma ferida aberta na oligarquia financeira e na governação de Trump e o recuperar da esperança na política, independentemente do lugar. Passam o tempo a querer-nos convencer que nada pode mudar e vem ele com comprometimento e ideias claras, repescadas no socialismo e na social-democracia que a esquerda quando chega ao poder tende a esquecer, dizendo: sim, é possível.

Esta madrugada a “cidade que nunca dorme” despertou e, por ressonância, o mundo descrente lembra-se que o futuro não está escrito de antemão. Agora Mamdani terá à sua frente outros desafios. Mas já fez algo que parecia difícil neste ciclo, projetar um imaginário de mudança com mais democracia, equidade e justiça social. Não chega. Mas não é pouco. E é inspirador.

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