Exportar música portuguesa: da oportunidade ao vazio
Foto: Catarina Santos
Já participei em inúmeras conversas-debates-reflexões, ao longo dos anos, sobre a exportação da música portuguesa não erudita, e a do último fim-de-semana, no contexto do festival Emergente, esteve entre as mais lúcidas, sintoma de que existe uma geração (Ana Lua Caiano, Halison Peres dos Máquina, Guilherme Dourado do Why Portugal e João Araújo, que tem trabalhado na gestão da carreira de nomes da Gig Rocks!, foram os participantes), com consciência do terreno que pisa, seja para apontar dificuldades, como possibilidades, sem grandes idealizações. Há realismo.
A internacionalização não é vivida com sofreguidão, embora por razões de mercado exíguo, e de ambição e autoestima, seja desejada e também condição de qualquer projeto artístico na atualidade. Nunca como hoje pareceu que a música portuguesa tem tantas hipóteses de competir no exterior. Há noção de como operar em circuitos mais minoritários, mesmo se os problemas em termos estruturais, ou num plano mais geral, acabam por se manter.
Há música, talento, qualidade e quantidade. Há também uma curiosidade alargada, do exterior, sobre Lisboa e Porto, e Portugal em geral, motivado pelo turismo, mas também alicerçado na cultura, o que é favorável. O estigma da língua portuguesa foi-se diluindo. E existem, pelo menos, dois eixos que reúnem singularidade, riqueza e memória em abundância (a realidade afro-portuguesa, de Dino a Fidju Kitxora, e a música urbana de raiz portuguesa, de Caiano aos Bandua), com potencialidades, no intensificar da curiosidade. O que não significa omitir outras realidades musicais, múltiplas, diversas e com potencial.
Se nos últimos anos os sons urbanos latinos conquistaram o mundo e sintoma disso é o facto de a música feita em Espanha (Rosalia, C. Tangana, Rodrigo Cuevas, etc) ter saltado fronteiras como nunca antes, porque é que não é possível suceder o mesmo com a música de língua portuguesa? Sim, o mercado latino é gigante. Mas o global da língua portuguesa continua verdadeiramente por testar. As potencialidades estão lá. Falta pensar, organizar e interligar.
Tantas décadas depois, as iniciativas isoladas, localizadas e dispersas, que podem funcionar por existir talento, investimento e insistência, ainda predominam. Madredeus, Ana Moura, Mariza, Buraka, Dead Combo, Moonspell, Gift, Tigerman, Dino, Batida, e muitos outros, como na atualidade, Caiano ou Máquina, e outros nomes de diversos circuitos (de Rafael Toral a Scúru Fitchadu) são mais exceção, do que a regra.
O que quase nunca existiu foi investimento estratégico, apesar da atuação meritória, mas insuficiente, de organismos como Why Portugal ou Fundação GDA, ou de eventos como o Mil. Era preciso haver vontade política, que fosse além do manifestar de intenções, como já houve. Um país pequeno como Portugal, há semelhança de alguns do Norte ou centro da Europa, só pode concorrer com grandes mercados se existir uma politica interministerial, parcerias público-privadas, no sentido do apoio, promoção e definição de prioridades, sem nunca esquecer o papel da educação.
Só isso faria com que um número razoável de agentes – especialmente para quem está a emergir, não para consagrados – tivesse condições para competir em condições de igualdade num panorama muito competitivo como os das músicas pop, rock, eletrónicas, etc. A verdade é que nunca como hoje se reuniram um número tão grande de condições, para que tal pudesse acontecer.
O país é pequeno, mas tem mais talento do que outros de maior dimensão. Falta olhar para essas práticas não como despesa, mas investimento, e perceber como funciona uma realidade complexa que vai muito além dos músicos e dos palcos. De contrário, continuar-se-á como até aqui, num plano de exceções, perante um panorama rico, mas que visto de fora é como se não existisse.