30 Anos de ‘French Touch’

Daft Punk

Foi por esta altura, há 30 anos, que a música popular de tendência eletrónica, feita em França, se transformou num fenómeno global. Tenho-o bem presente porque coincidiu com o ter começado a escrever sobre música no jornal Blitz, tendo acompanhado de perto esses acontecimentos com entrevistas (Air, Motorbass, Cassius, St Germain, Daft Punk, Alex Gopher, Etienne de Crécy, Dimitri From Paris, Laurent Garnier, Sebastien Tellier, Justice, Phoenix e outros) e inúmeros artigos.

No Verão de 1995 saiu o álbum “Boulevard” de St Germain, primeiro sinal de que algo se passava, embora nessa fase ainda parecendo uma homenagem isolada ao house americano mais jazzístico e alternativo. Em Maio de 1996 saiu “Pansoul” dos Motorbass (Etienne de Crécy e Philip Zdar) e já era percetível que algo de sério se passava, com aquele que ainda hoje continua a ser uma obra ímpar, editada um ano antes dos Daft Punk estoirarem, e contendo muitos dos ingredientes que iriam fazer a fama da dupla Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo.

Esse álbum dos Motorbass acabou por ser pretexto para que um texto meu, pela primeira vez, fosse capa de jornal. Curioso foi que Etienne De Crécy, na entrevista, passou o tempo todo a queixar-se da imprensa gaulesa que, na altura, ainda não tinha acordado para o fenómeno. Não surpreende. Lá, como cá, eram os preceitos da cultura rock que dominavam. O que se passava em França tinha outros condimentos.

O fenómeno foi inicialmente legitimado fora de portas, em especial pelos ingleses, que começaram a utilizar a expressão ‘french touch’, só depois sendo alvo de atenção mais detalhada em França. Meses depois foi lançado “Super Discount”, autoria de Etienne de Crécy, e já em 1997, surgiram “Moon Safari” dos Air e “Homework” dos Daft Punk, e a conquista global intensificou-se decisivamente.

No início o carácter excecional do fenómeno parecia indiciar que se estava a assistir a mais um ciclo passageiro de afirmação de alguns projetos com uma sonoridade interessante, como havia sucedido pontualmente no passado com Marquis de Sade, Marc Seberg, Taxi Girl e Indochine na primeira metade dos anos 80, com os Les Rita Mitsouko, Mano Negra e Les Négresses Vertes na segunda, ou com a primeira vaga de projectos hip-hop dos anos 90 – MC Solaar, Soon MC ou IAM. Mas diversidade e universalidade de muitas das propostas revelava que o fenómeno era consistente.

 

A grande impulsão estava centrada nas linguagens dançantes, num vasto campo que ia do house até a experimentações mais abstractas, indo muito além dos nomes mais conhecidos – Shazz, DJ Cam, Doctor L, Zend Avesta, Kid Loco, The Mighty Bop, Bob Sinclair, Frédéric Galliano, A Reminiscent Drive, I:Cube, Money Penny Project, Cosmo Vitelli, Bertrand Burgalat, Mr. Oizo, Joakim Lone Octet, Williams Traffic, Bang Bang ou Rinôçerôse, foram alguns dos muitos outros nomes dessa época.

 

Naturalmente tudo isto se fortaleceu porque havia interessantes publicações (Magic!, Trax, Technikart, Remix, Coda), rádios (FG, Nova), clubes (Rex, Respect, L’Anfer), festivais (do Printemps de Bourges ao Transmusicales), editoras (Artefact, Catalogue, F Communications, Platinum, Pro-Zak, Roulé, Solid, Versatile, Yellow, Tricatel, Ed Banger) e um grande apoio institucional, em particular através do Bureau de Export.

 

Nesses anos ficou patente que o domínio anglo-saxónico de décadas na música popular iria ser posto em causa. Algo que os tempos vindouros só vieram confirmar.

 

St Germain – Boulevard (1995)

Motorbass – Pansoul (1996)

Etienne de Crécy – Super Discount (1996)

Air – Moon Safari (1997)

Daft Punk – Homework (1997)

Alex Gopher – You, My Baby & I (1999)

Phoenix – United (2000)

Sébastien Tellier - L'incroyable Vérité (2001)

Justice – Cross (2007)

 

Anterior
Anterior

Um Prazer Esquecido: Conversar

Próximo
Próximo

Depois do Desastre, Falta o Debate: Lisboa, que Futuro?