Um Prazer Esquecido: Conversar
Foto: VB
Há uma série de coisas simples que me dão um certo prazer. Um galão quente com uma torrada pela manhã. Encontrar um disco ou livro, no meio de outros, que julgava perdido. Ser estimulado por um criador que não conhecia de lado nenhum. Passar um fim-de-semana no campo a ver ovelhas pastar. Um bom queijo e vinho. Cantar no duche pela manhã. Uma declaração de amor de alguém que também se ama. Andar de mão dada com a minha filha. Dançar. E uma boa conversa.
Como tudo na vida, aprende-se a conversar. Deixar de ser sôfrego. Saber esperar e escutar, não necessariamente para responder, mas para entender. Não ficar aflito com pausas e silêncios. Abrir-se, estabelecer confiança, deixar ir o tempo, comunicar de forma viva, mas serena, coincidindo ou divergindo, sem medo da exposição emocional, mas também sem necessidade de a exibir, num diálogo transformador.
Parecem existir cada vez menos momentos desses. Quase nunca existe tempo para um diálogo estirado nesta época produtivista. Há muitas interações, mas a dispersão é a norma. Se é assim numa conversa privada, na esfera pública é pior. Há muito falatório – redes, podcasts, TVs, grupos de whatsapp – mas pouco diálogo, por entre narcisismo, performance, gritar por atenção, ouvir só o que se está propenso a considerar, reforçar crenças, ignorando o que desafia a nossa visão do mundo.
Os debates, que já foram espaço de diálogo, transformaram-se em combates. Potencia-se as emoções básicas e a performance estridente. Gera-se identificação emocional com os da nossa bolha, validando convicções. Há tendência para habitar certezas, em vez de se pensar a partir de ideias. Não se aspira à convergência, mas a manter a divergência. Quando se dialoga, as razões de uma das partes tecem-se com os da outra, com o propósito de gerar fundamentos destinados a melhorar a organização de um qualquer destino comum. Forma-se pensamento crítico. Mas isso rareia. A norma é a competitividade discursiva. Há contendores, não interlocutores.
Uma conversa da ordem do prazer, quando somos apanhados numa espécie de hipnose, em privado ou público, é outra coisa. É quando nos permitimos ver e escutar realmente o outro, que é sempre como nós, embora em simultâneo diferente, com a horizontalidade e o cuidado que reclamamos para nós próprios.
Requer tempo e espaço dentro de cada um, mesmo não existindo regras, sendo que o contexto também interessa: há conversas com pessoas que conhecemos há muito que podem ser uma contínua surpresa, como nos podemos espantar com uma conversa com alguém com quem nunca estivéramos e uma hora depois é como se sempre nos tivéssemos conhecido. Parece simples. E é. Mas mais difícil do que aparenta, envolvendo também coragem e presença. Depois, de vez em quando, é possível que existam momentos em que nos despedimos de alguém, ou grupo, com a sensação de que houve discordâncias, mas todos se sentiram ouvidos.
Um prazer imenso.