Depois do Desastre, Falta o Debate: Lisboa, que Futuro?

Foto: VB

O desastre do Elevador da Glória vitimou seres humanos, feriu outros, deixou devastados amigos e familiares, e tristes os que gostam da cidade. Pode ser que me engane, mas parece-me que poderá haver mais lesados pelo sucedido: as eleições em Lisboa e os que habitam nela.

Defendo que Moedas já deveria ter apresentado a sua demissão. Mas não o fará, como já se percebeu. Marcelo, habilmente, já veio ajudar, alegando que as responsabilidades políticas, a um mês de eleições, irão é ser avaliadas nas urnas – ou seja, exatamente, o mesmo discurso que Montenegro teve nas últimas eleições legislativas. De qualquer maneira, se Moedas se demitisse, Alexandra Leitão ganharia por falta de comparência, o que, bem vistas as coisas, não seria benéfico para uma candidata sobre a qual ainda não se conhecem muitas das propostas.

Seria eleita, mas sem a legitimidade que necessita. Por outro lado, não havendo demissão, o tema contaminará a campanha, através da personalização e não do questionamento sistémico, o que é desastroso para quem julga, como eu, que estas eleições eram decisivas para pensar a cidade. Ou se inverte o rumo da última década, ou Lisboa vai por um caminho irrecuperável.

Era, por isso, necessário, no próximo mês, discutir propostas para a cidade, e não apenas as responsabilidades e vicissitudes do desastre. Lisboa está a viver uma tensão urbana profunda, iniciada há mais de dez anos, à beira da implosão, entre o brilho artificial da projeção internacional e os desafios reais enfrentados pelos seus habitantes. São precisas novas políticas, mais ousadas e inclusivas, para enfrentar os problemas existentes. Não é preciso inventar.

Há cidades a enfrentar os mesmos dilemas há muito, e algumas estão até a implementar há anos politicas para controlar a pressão turística, a gentrificação e garantir habitação acessível. Basta perceber o que tem funcionado nessas cidades (Barcelona, Amesterdão, Berlim, Viena), sem perder de vista singularidades, e ter em atenção o que tem sido debatido na última década entre especialistas e movimentos locais em Lisboa, porque onde estamos já foi antecipado e estudado.

É preciso recuperar o direito à cidade na habitação. O trilho de Moedas, a “cidade-mercado”, a “cidade-marca” ou a “cidade-neoliberal”, é para prosseguir? E que alternativas têm Alexandra Leitão e João Ferreira para oferecer? É necessário questionar os três sobre o que pensam fazer com a mobilização de casas devolutas pertencentes ao município, ou se pretendem apostar no aumento do parque público habitacional ou avançar na regulação do mercado de arrendamento.

Da mesma maneira é importante saber se equacionam estabelecer zonas de proteção social, onde o comércio local, associações e moradores históricos possam ter prioridade e apoio fiscal? E o que pensam fazer para fortalecer a democracia participativa, e a participação cidadã, para que os planos urbanos reflitam os interesses dos residentes e não apenas dos investidores? E já agora, estão a pensar em incentivos à reabilitação com fins sociais, recuperando edifícios para habitação cooperativa, cultural ou comunitária, em vez de fins turísticos ou especulativos?

Não tenho nada contra o turismo. Somos todos turistas. É ingénuo pensar que Lisboa poderá viver sem essa indústria, por mais predadora que seja. Mas é possível repensar o modelo. Já não estamos em 2007, no inicio da governação de António Costa, com atração de investimento ou de talento estrangeiro, ou de fomento de grandes eventos para dar a conhecer a “marca” Lisboa. Pelo contrário, a questão hoje é como não ser vitima desse modelo que já prescreveu.

É preciso regulamentar o número de licenças de AL por bairro ou suspender em zonas saturadas. Direcionar receitas do turismo para habitação pública, transportes e cultura. Descentralizar a oferta turística, de forma realista e equilibrada, aprendendo com os erros, para não criar novos focos de gentrificação. Lisboa não precisa de tantos turistas, mas acima de tudo necessita de mais cidade para quem nela vive. A chave está em politicas que não tratem o espaço urbano como mercadoria, mas como bem comum. Só assim será possível uma cidade mais justa.

Estas eram algumas das coisas que importava entender – para além de questões de mobilidade, transportes, ambiente ou cultura – mas temo que se perca o tempo todo a discutir o desastre ou perceções de segurança, assentes em falsas dicotomias, como aconteceu nos últimos tempos.

O desastre do ascensor, paradoxalmente, pode funcionar a favor de Moedas – é a ele que não interessa discutir a cidade como um todo – perante uma Alexandra Leitão que reunirá voto de protesto anti-Moedas, faltando-lhe o voto por convicção nas suas ideias, e de João Ferreira, o único que até agora tem refletido propostas, embora sempre remetido para a quase invisibilidade na comunicação social, como se viu há dias, com o caso do debate a dois na SIC.

E assim se vai adiando a cidade.

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