Deitar e Acordar com Max Richter
A monumental obra “Sleep” de Max Richter, jornada musical de oito horas e meia, imaginada para se ouvir a dormir, ou no estado liminar entre o acordado e o adormecido, vai ser apresentada a 5 e 6 de Setembro, no icónico Alexandra Palace de Londres, numa experiência que assinala os 10 anos de feitura de uma obra que continua a provocar fascínio.
Não é apenas um álbum. É uma experiência sensorial e meditativa, criada em colaboração com a artista e companheira Yulia Mahr e o neurocientista David Eagleman, para entender como a música pode interagir com a mente no sono.
Ao longo dos anos Richter e o seu ensemble foram dando, aqui e ali, em lugares especiais, concertos-performances, onde o público repousa em camas, cumprindo um ciclo de sono, do adormecer ao espreguiçar e acordar, enquanto a música é tocada ao vivo, mistura de arte, ciência e serenidade, uma espécie de suite de embalar, manifesto contra o ritmo frenético da vida contemporânea.
A peça é desenhada para interagir com o subconsciente, através de frequências subsónicas e minimalismos, e está dividida em secções, tendo em atenção os diferentes ciclos de sono.
Em 2021, quando o entrevistei, em plena pandemia, “Sleep” voltou a ser muito popular. “Escrevi essa peça como se fosse um convite para fazermos uma pausa nas nossas vidas tão preenchidas. Agora enfrentamos uma paragem indesejada, que transporta consigo ansiedade e sofrimento, e é como se essa música voltasse a fazer sentido, num outro contexto”, dizia então.
“Somos criaturas sociais, gostamos de sair e de fazer coisas em grupo, e, de repente, com o confinamento, retirarem-nos isso tornou-nos mais sensíveis à incerteza. Em parte é isso que ajuda a explicar esse retorno de Sleep. Existe um lado de canção de embalar nesse projeto que parece ter-se tornado um lugar confortável para muita gente e fico contente que tenha existido esse reconectar com o projeto.”
A música é calma, lenta e melódica, com composições para piano, violoncelo, violino, sintetizadores, vozes ou eletrónicas, tendo sido as performances concebidas com Yulia Mahr. “Ela é omnipresente, tanto nos encontramos na cozinha como em estúdio”, brincava na altura Richter. “Tenho sorte em trabalhar com alguém como Yulia, em quem confio em pleno e a quem não tenho de explicar nada.”
Todas as suas obras começam com uma ideia. Por vezes, maiores do que a vida. “Às vezes dizem-me isso, mas para mim sem ideias, um motivo, um objetivo, não vale a pena. As ideias são um processo, não um fim em si. São elas que me levam à escrita e composição. Se existe qualquer coisa que me parece importante abordar, pensar ou partilhar, ponho-me a caminho. Depois trata-se de encontrar a música e as ferramentas para medir aquela história ou questões, seja o ambiente, a desagregação do capitalismo, a crise da democracia, ou a desaceleração das nossas existências.”