A Europa em modo Kit de Sobrevivência

Foto: Intervenção de MaisMenos e Vhils, no contexto dos Jardins Efémeros, em Viseu, 2016

Desde que Trump chegou, pela segunda vez, à presidência dos Estados Unidos, que a Europa, ou melhor, a União Europeia, entrou em estado de choque, em delírio, infantilizando-se.

Nesta quarta-feira assistiu-se a mais um momento dessa escalada, com as autoridades europeias a recomendarem os cidadãos a terem um Kit de sobrevivência em casa (medicamentos, água e comida) para resistirem 72 horas, perante um evento extremo, como a guerra.  

O suposto agressor, ou a hipótese de conflito que está por detrás de tal decisão, nunca é nomeada, o que deixa a imaginação coletiva a vogar. O contexto, como é evidente, é o pacto estratégico entre Putin e Trump, que deixou a Europa numa espécie de orfandade, como se fosse uma cria desorientada depois de ter sido desamparada dos protetores.

Perante este contexto, parece que as autoridades europeias projetam que Putin se vai transformar num novo Hitler, totalmente cego pelo desejo expansionista, e vai invadir o resto da Europa, até entrar, em modo triunfante, na Praça do Comércio em Lisboa.

Foto: Intervenção de MaisMenos e Vhils, no contexto dos Jardins Efémeros, em Viseu, 2016

É inacreditável como a afinidade politica e cultural entre União Europeia e Estados Unidos, que se evaporou por razões estratégicas de Trump, tenha agora originado este horizonte de ameaças. Musk, Bezos ou Trump, perante a iminência do apocalipse, podem escapar para Marte. Os europeus terão de contentar-se em esconder-se atrás do frigorifíco, com o kit por perto.  

Ao que parece estávamos protegidos de ataques informáticos, catástrofes climáticas, pandemias e guerras militares e agora temos que estar em alerta, à espera dos alienígenas. As autoridades ao mesmo tempo que difundem o pânico, argumentam que a ideia não é causar alarmismo. Mas as sirenes vão tocando. “Eles vêm aí!”, ouve-se gritar em muitas cabeças. O que se pretende com o sublimar desta situação?

Não será, a recomendação em si, uma ameaça insensata? Mais uma ação de propaganda, tendente a criar um clima de medo e de pouca resistência face aos esperados cortes – na cultura, educação, saúde, habitação – para armar, ainda mais, a Europa? Ou seja, controlar as populações? E está-se a conseguir. A imprensa limita-se a passar a mensagem, sem questionamento crítico. E a ideia de que a única solução é armar lá segue o seu caminho.

Regressam os nacionalismos, alemão, francês, polaco. Regressa-se às trincheiras. É o regresso da paixão de destruir, para depois reconstruir. Matar como forma de não morrer.

Sou europeísta, federalista até, porque sempre me pareceu que uma União Europeia apenas forjada na economia – e não na política – não seria suficiente para um itinerário árduo, onde é pedido um esforço hercúleo aos mais lentos para caminharem ao ritmo dos mais velozes.

Hoje a Europa está transformada num monstro militarista. A diplomacia, o diálogo, o nunca desistir de utilizar todos os canais que permitam soluções pacíficas, e a utilização da racionalidade para se ir além do simplista preto-e-branco, foi esquecido.

A Europa luta com a sua própria sombra, envelhecida, sem projeto e ideias, em modo autodestrutivo, com aqueles que beneficiam desse estado de coisas a resistirem nos seus lugares de poder, enquanto o resto sobrevive, passivo ou impotente, comprando provisões para algumas horas de vida.

É a própria ideia de União Europeia que parece estar a precisar de um kit de sobrevivência.  

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