Fidju Kitxora: O melhor que aconteceu por aqui
Estou há três dias no Westway Lab de Guimarães, um evento com conferências, encontros e painéis – e também música ao vivo – onde agentes profissionais europeus e portugueses pensam sobre estratégias, planeamentos e ações concertadas, em torno do universo da música.
E depois, aparecem os Fidju Kitxora. Claro que eles são a exceção que confirma muitas regras, mas não deixa de ser paradoxal perceber que eles funcionam como a antítese de muito do que ali foi sendo discutido. Lançaram o álbum de estreia, “Racodja”, o ano passado – o meu melhor álbum de 2024 – sem qualquer promoção.
A imprensa passou-lhes ao lado (exceção a uma excelente entrevista de João Mineiro no Rimas e Batidas) e rádio nem ouvi-los. Ainda por cima tudo neles é de difícil inteligibilidade: a música, híbrida, a identidade, cruzada, a postura, enigmática. Mas desiluda-se se alguém pensa que é estratégia comercial. É quando muito o engenho artístico de pessoas que pensam mesmo sobre o que as rodeia.
É o caso da mente que está por detrás dos Fidju Kitxora e que prefere manter o anonimato. É fácil vê-los ao vivo e achar que são apenas música física para fazer os corpos suar. O que já não seria pouco. Mas existe mais. Ideias, engenho, memória e urgência em comunicar que se está desperto, e que é possível fazer de outras formas, podendo-se ocupar os vazios que ainda vão surgindo numa sociedade mercantilizada, através de uma música que mastiga muitas referências, sendo coletiva e relacional.
Vi-os três vezes ao vivo. E foi sempre diferente e extraordinário. Em Guimarães foi puro transe. No final, os muitos estrangeiros presentes – agentes, promotores, estrategas – perguntavam o que raio era aquilo, atónitos, apanhados de surpresa. Não custa perceber que rapidamente estarão a tocar por essa Europa fora. A caminho do hotel, depois do concerto, passei pelo ponto turístico por excelência da cidade, a emblemática torre da alfândega onde em letras iluminadas se pode ler “Aqui Nasceu Portugal”. E sorri. Percebe-se o sentimento de orgulho perante a narrativa perene de que Guimarães é o “berço da nação.”
Mas ao mesmo tempo, perante uma Europa, e um mundo, onde regressam os nacionalismos mais primários, dá que pensar. Fidju Kitxora é a superação disso. Sem perder laços, memórias e referências – cabo-verdianas, africanas, portuguesas, europeias – é uma espécie de contínuo, onde não parece existir um principio, nem fim. O que existe é uma procura constante. É música social, comunitária, relacional, a melhor coisa que aconteceu nos últimos tempos à música que vai sendo feita por aqui.