A reinvenção em palco de FKA Twigs e Model/Actriz
Foto: Toni Rosado
Às vezes leva tempo. Desde 2012 que FKA Twigs tem vindo a criar gestos artísticos ousados. Nem sempre foi compreendida.
A primeira vez que a vi, em 2013, no espaço Roundhouse, em Londres, escrevia: “Mais do que um vulgar concerto é uma experiência de dança imersiva ou uma performance artística hipnótica. Na maior parte do tempo ela entrega-se, sozinha ou em grupo, a uma coreografia de corpos em convulsão, sendo as palavras e música integradas na mesma arquitetura cénica.” Poderia escrever o mesmo sobre o excelente espetáculo da noite de sexta no festival Kalorama, em Lisboa. A diferença é que, agora, os seus conceitos, música e expressão artística, finalmente, encontraram o grande público. E isso faz toda a diferença.
É verdade que também se libertou. Nessa altura, percebia-se, que ainda queria muito ser aceite. “Eusexua”, o seu terceiro e último álbum deste ano, constitui um grito de libertação. Mais de ela para com ela, de com ela e os outros, embora esteja tudo ligado. Mas já estava tudo lá: a expressividade vocal, a paixão de sempre pela dança – transmitida pela mãe, uma antiga professora de dança – e um requinte cénico assente no minimalismo cromático das formas.
A totalidade artística, esse jogo entre música, dança e arte visual, sempre foram indissociáveis. Agora essa noção híbrida do que pode ser um seu espetáculo – entre o concerto, uma peça de dança e a recriação de um clube de dança sofisticado – é assumida, com a euforia e fluidez dos corpos em primeiro plano, não havendo banda visível em palco, e com ela por vezes a sacrificar as investidas vocais pelos movimentos coreográficos, integrando tudo numa estética sensorial.
A primeira metade, assente em “Eusexua”, é a mais surpreendente – sendo os dois restantes quadros mais próximos do que já se conhecia – porque a mais enérgica, com a música vibrante a misturar-se com uma teatralidade distópica, a erotização dos corpos, elementos que evocam os clubes fetichistas e uma tonalidade global industrializada, com cada momento parecendo contar histórias fragmentadas sobre identidades, desejo e vontade de transcendência. Para a parte final ficou “Cellophane”, com o parque da Bela Vista mudo, só se ouvindo o vento passar, umas notas de piano soltas e uma voz. Soberbo. Treze anos depois FKA Twigs encontrou a sua voz.
Fui ao Kalorama para ver dois concertos. FKA Twigs e Model/Actriz. O resto, respeito, mas já vi demasiadas vezes (Roisin Murphy, Scissor Sisters, Kelly Lee Owens, Azelia Banks), numa noite, com um cartaz a pensar numa audiência queer. Ia com receio de ver os segundos.
A memória do notável concerto, em 2023, na ZDB, era tão intensa que poderia sofrer desilusão. Mas não. Estão diferentes, é certo. Mais dança, menos rock, à conta do último e magnífico álbum “Pirouette”. Mas continuam imparáveis, com o confronto sónico moderado por ritmos e guitarras trepidantes e pela distinta teatralização do vocalista Cole Haden, que se mistura com o público. Percebeu-se que a maior parte da assistência não os conhecia. Agora não vão esquecer tão cedo.