Dino d’ Santiago, Os Tubarões e histórias de Cabo Verde em palco
Foto: VB
Há mais de um ano, ia a caminho do Porto com Dino d’ Santiago, quando me disse que estava a desenvolver um projeto com o legendário grupo cabo-verdiano Os Tubarões. Disse-lhe que essa história – com muitas outras lá dentro – devia ser registada. Propôs-me que o fizesse. E assim tem sido, na companhia de Paula Guerra e Tiago Pereira. Este sábado, no festival Med de Loulé, cujo país em destaque é Cabo Verde, há novo capítulo: pela primeira vez Os Tubarões vão subir ao palco com Dino na voz em algumas canções. Entre elas, Djonzinho Cabral, uma das que, em 1977, imortalizou Os Tubarões, e também a vida de João Alves Afonso, 102 anos em Abril, que todos conhecem como Djonzinho Cabral. Em Janeiro, o Dino, Tiago e eu, estivemos em sua casa, onde contou histórias de um século de vida, lutas, sucessos, deceções e perseverança, que se confundem com a história do país. No sábado não estará fisicamente em Loulé. Mas estará.
*Dino e Os Tubarões
“Há 50 anos o inimigo de Os Tubarões era claro: o regime ditatorial e colonial imposto por Salazar. Era evidente em Cabo Verde e em todos os outros países africanos que se expressam na língua portuguesa. Há na sua escrita, nessa época, alusões ao colonialismo, mas acima de tudo eles estavam interessados no processo de independência de Cabo Verde. Aparecem fruto dessa necessidade revolucionária e de transformação da sociedade cabo-verdiana. Agora, 50 anos depois, o meu inimigo é mais camuflado. São as heranças que ficaram cravadas naquilo que foi um regime que desumanizava os corpos africanos. Isso não mudou. Hoje essa escravatura deixou de ser física para ser mental. Parece que vivemos em sociedades mais informadas, mas no fim de contas existe ainda ignorância, um não querer saber acerca da nossa história, e um clima muitas vezes hostil. Há um ataque, tanto às comunidades negras, como às do sudoeste asiático, que são encostadas à parede, literalmente, como os meus pais foram quando chegaram nos anos 70 a Portugal. Há uma regressão nesse sentido, mas também há, pelo menos hoje em dia, mais vozes não-brancas a falar, a reivindicar, a não ter medo de argumentar, e isso é importante.”
*Os Tubarões e Dino
“O encontro foi curioso. Ele entrou em contato connosco através do nosso manager – o atual ministro da cultura Augusto Veiga. Sabíamos que ele era muito ativo em Portugal, social e culturalmente, e acolhemo-lo com alegria. Alguém português e cabo-verdiano, interessado na nossa música, e que está a trazer-nos a sua, só podia ser bem acolhido. Disse-nos: sempre os ouvi em casa com os meus pais. Cresci a ouvir-vos. Foi assim que ele se apresentou em Lisboa, na altura da Madonna e das Batucadeiras. Abriu-nos a sua alma e gostámos disso. Dissemos: isto é uma pessoa com quem devemos conviver. Primeiro é isso: convívio e amizade. E depois de conhecermos a pessoa maravilhosa que ele é, a sua vida e história, esse vínculo ficou até mais forte e, às tantas, naturalmente, começamos a perguntar-nos o que poderíamos fazer juntos.”
*Vídeo de Tiago Pereira