Não lutar deixou de ser aceitável

Este domingo, em várias cidades, vai-se gritar contra os grupos neofascistas organizados, ou informais, que têm tido condutas violentas nos últimos dias. Em Lisboa, será às 16h, na Barraca, ao largo de Santos.

O silêncio, o não tomar posição, o não sair à rua, deixou de ser opção.

A concentração de hoje tem um contexto preciso, pelo fim da impunidade da violência da extrema-direita em Portugal. Mas está tudo ligado. O genocídio a acontecer na Palestina. A repressão autoritária e antidemocrática de Trump nos EUA. O crescimento do fascismo e da supremacia racial um pouco por todo o lado.

 

Por isso, sim, custa a entender a passividade que ainda se sente em Portugal. Qual foi a parte que ainda não perceberam? Que depois da matança de civis e crianças em Gaza, poderão ser as nossas crianças a seguir? Que Trump, hoje na Califórnia, amanhã, noutro lado qualquer, ensaia formas de o seu poder se tornar absolutista, sem necessidade de dar satisfações a ninguém? Que o racismo é um crime intolerável? Que o total desprezo pelos mais vulneráveis é a massa que enforma hoje o ultraliberalismo?

Vejo por aqui muita a gente a dizer cinicamente que as ações de protesto são apenas performance, ou a criarem paralelismos que apenas têm o efeito de desculpabilizar a violência, mas nunca se expondo e não levantado o cu do sofá, a não ser por interesse próprio.

Eu também sinto que as formas de protesto têm de ser reinventadas, mas então façamo-lo, em vez de coçar na ferida, ou passarmos o tempo a diagnosticar o que já sabemos. Manifestarmo-nos juntos, tem pelo menos um efeito: humaniza-nos. Isso é tanto nestes tempos medonhos.

Depois existem também os que passam o tempo a criticar com paternalismo as redes sociais, como se não soubéssemos todos dos seus efeitos perversos, mas nunca fizeram uma publicação que vá além do umbigo. Quase não existem espaços – online ou offline – que sejam impolutos, imunes a lógicas de lucro. Vamos fazer o quê? Fugir? Ou tentar transformar?

Tal como não há manifestações imunes a instrumentalizações. Mas por cada movimento de desistência, alguém ocupará o vazio deixado. E os fascistas sorrirão e agradecerão.

 

É isso que tem acontecido na última década. A muitos dos mais poderosos, o fascismo interessa para criar desordem ou distração, é por isso que o financiam diretamente, ou garantem a sua influência no ecossistema de comunicação, enquanto instrumentalizam a zanga, tantas vezes justa, dos mais fragilizados ou desorientados.

Se em países mais estruturados do que este o fascismo entrou, porque não aconteceria aqui, onde não existe amortecedor, com desigualdades, especulação imobiliária, salários miseráveis, racismo, exclusão social?

Muitos dos que já só conseguem sobreviver, quanto mais pensar e lutar, até consigo perceber a desistência. São aqueles que tentam passar despercebidos, que ainda sentem que isto não está numa fase irreversível para os próprios, que me dão náuseas.

Deixaram de acreditar num coletivo melhor para todos, apenas lhes interessando melhorar a sua posição individual no interior do coletivo, não percebendo que acabarão por também não sair incólumes da situação.

Somos muito mais do que os fascistas, os que o assumem, e os que nem sabem que o são. Falta organização, atomizados que estamos, seja na rua, na internet, ou no diabo a sete.

Tempos de urgência. Não basta reagir, é preciso oferecer futuro a quem não o tem e somos a maioria. E se não sabemos que caminhos alternativos traçar, sejamos sinceros e digamo-lo, gerando a discussão participativa.

Estruturemo-nos. Se o discurso fascista é simplista, e dessa forma mais eficaz, encontremos maneiras de expor complexidade com simplicidade. Se os algoritmos manipulam e premeiam o ódio, lutemos por promover mudanças internas nestas multinacionais, de forma a que os algoritmos valorizem também o bem comum.

Não tenhamos medo. Medo do quê? Somos muitos. Somos a maioria. Mas temos que dar a cara.

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