Gaza

Foto: Omar Ashtawy

Acordo e procuro, como é norma nos últimos tempos, notícias sobre Gaza. 

Este domingo morreram 31 civis, e 170 foram feridos, quando tentavam recolher ajuda humanitária. Segundo testemunhas citadas pela Associated Press, as forças israelitas dispararam contra a multidão. Os israelitas, como de costume, declararam que foi o Hamas.

 

Na segunda-feira foi bombardeado o único centro de diálise que restava a Norte. Há dias havia sido noticiado que mais de 40% dos doentes com insuficiência renal morreram desde o inicio devido à falta de tratamento adequado. 

Há negociações para um cessar fogo, mas não parecem fáceis. Já esta terça, enquanto Greta Thunberg se dirige para a zona num veleiro humanitário, foi comunicado que, pelo menos, 15 civis foram mortos em consequência de um ataque do exército israelita com tanques e drones, enquanto em Lisboa, o embaixador de Israel, declarou que a ofensiva só terminará com a destruição do Hamas. E provavelmente com a dizimação da população civil e a destruição total da zona. 

Tem sido assim há mais de 600 dias em Gaza, bombardeamentos, matança, massacre, mais de 55 mil mortes, mutilações, ruína, genocídio. 

Ao correr do dia irão surgindo mais notícias. Resisto a escrever seja o que for. Por pudor, e também porque não sei o que escrever, ou para quê, nesta espécie de turismo da crueldade em que transformámos estes acontecimentos, competindo na atenção com o ruído de fundo dos comentários nas TVs, de Nuno Rogeiro a discorrer sobre armamento como se fosse um jogo-vídeo, ou os memes das redes que transformam qualquer calamidade numa piadola minutos depois. Tudo é nivelado. 

Todos participamos nessa dinâmica perversa. Eu também. Já não é só o que não conseguimos fazer até aqui. É também aquilo em que nos transformámos como resultado do que está a acontecer. A dessensibilização geral. O testemunhar do extermínio – não graças aos media tradicionais, mas às demonizadas redes – com sentimento de impotência ou culpa.

 

Como nos sentiremos quando nos lembrarmos que enquanto Israel destruía Gaza, andávamos na vidinha, fingindo que nada se passava, participantes do terror, votando em governos cúmplices ou indiferentes, cooperantes de um sistema responsável por tudo o que ali sucede? 

Pressionámos de forma suficiente governos? Exigimos clareza a partidos? Quando saímos á rua, os que saíram, fomos em numero suficiente? Em vez das avenidas deveríamos ter ocupado aeroportos? O que acontecerá por termos presenciado e permitido tudo?

 

Para já não falar dos que continuam a justificar a aniquilação com o ataque terrorista do Hamas, a narrativa artificial da autodefesa de Israel, a fomentação de equivalências absurdas de responsabilização, ou simplesmente a islamofobia?

Quando toleramos tudo isto, que nome podemos dar a nós próprios? Em que pessoas nos transformámos olhando para imagens de crianças assassinadas, amputadas ou a morrer à fome? Depois disso, o que poderá vir a seguir? O que permitiremos? Do que seremos capazes? O que sentiremos, se é que sentiremos alguma coisa?

 

Agora, finalmente, alguns governos europeus, parecem interessados em isolar Netanyahu. Não porque algo tenha mudado, mas talvez, como sugeria há dias Franco ‘Bifo’ Berardi, se comecem a aperceber que é também Israel que está à beira da desintegração (moral, psíquica e política), imerso no horror e no desvario, o que não significa que vão parar. Há cada vez mais israelitas críticos. Mas a razão continua a não prevalecer.

O cemitério que está a ser cavado em Gaza vai-nos consumir a todos. 

Quase todos os dias, pelo mundo, tem havido protestos, ações ou demonstrações de solidariedade, através de associações, organizações, plataformas, sindicados ou grupos de cidadãos. Em Portugal também, mas nesta fase de forma fragmentada. Fazia sentido algo mais amplo e transversal agora. Seria uma forma de pressionar quem governa, e de contrariar a desumanização em marcha. 

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