Adeus MusicBox do Sodré! Olá Capitão do Beato!

Foto: VB

O MusicBox ficará para sempre ligado à Lisboa boémia-cultural dos últimos vinte anos e à recriação da zona do Cais do Sodré como um dos pólos da cidade. Mas o seu encerramento, comunicado há semanas, e agora ocorrido, não tem o mesmo perfil que outros fechos de espaços, devido à especulação, turistificação e gentrificação, da cidade na última década.

 

O espaço pertencia aos seus responsáveis, que resolveram vendê-lo para capitalizar e poderem investir na Casa Capitão, ao Beato, a aventura que se segue já a partir desta sexta-feira, 19 de Setembro. Foi opção, não expulsão, embora se possa dizer que o espaço sofreu indiretamente pelos modelos de desenvolvimento aplicados em Lisboa, como se constata num Cais do Sodré a sofrer dos efeitos perversos do sucesso.

 

O entusiasmo que a reanimação da zona suscitou já lá vai. Hoje o efeito é mais de ressaca do que de júbilo. Por outras palavras, o fim do MusicBox, é apenas mais um sinal de que o Cais do Sodré está em fim de ciclo. O que até pode não ser mau. Depende do que se seguir.

 

Quando o MusicBox abriu, sucedendo ao Texas Bar, já havia sinais de que aquela zona se iria transformar num novo pólo efervescente. Passei música na noite de despedida do Texas, com o António Contador, com quem formava a dupla Clube Socialismo Tropical, a convite de Alex Cortez. Nessa noite havia conceito: músicas urbanas globalizadas oriundas de periferias, do kuduro ao baile funk, do dancehall ao funaná, premonição de coisas que ali frutificariam, como a residência Príncipe.

 

Entretanto passaram 19 anos. E ao longo desse tempo foi conquistando o seu espaço como lugar transversal, atento a novas movimentações musicais, mas sem ficar preso a nenhuma, aceitando que a cultura popular de hoje se faz de várias genologias, épocas e vibrações, cruzando áreas e saberes diversos, tudo à volta de uma bebida. Foram incontáveis as noites ali passadas, para concertos ou sessões DJ –  algumas como participante, como uma interrompida pela polícia que quase deu cana – com a programação incansável do Pedro Azevedo.

 

Durante a pandemia, o Music Box conseguiu um efeito comunicacional soberbo. À porta, apenas uma frase: “Saudades Tuas”. Uma mensagem íntima e universal, capaz de ressonância afetiva e de expor que espaços como aquele têm alma, cultura, ideias, música, laços construídos. Ontem, ao passar por lá, vi que agora existe uma outra mensagem: “Para sempre saudades tuas. Obrigado”. Se existisse uma da parte do muito público que por lá passou poderia ficar: “Vamos ter saudades vossas”.

 

Embora não exista tempo para tal. É que agora segue-se um projeto ambicioso, a Casa Capitão, e as expetativas, e responsabilidades, são acrescidas. A cidade mudou, o fenómeno da cultura e boémia também – diversificação, mudança de hábitos, pulverização de públicos e outras coisas que ficam para outra altura – e o mesmo com o território. Toda a zona do Beato a Marvila está em transformação. O Capitão, de alguma forma, chega ao local na mesma contingência de há 19 anos no Cais do Sodré, com o propósito de também contribuir para o estimular da zona.

 

Do que se sabe do projeto, da atividade de Gonçalo Riscado e equipa, parece ter condições para que tal venha a acontecer. Nada de confusões: terão de ser as políticas de cidade a pensar o futuro e a criar cenários do que pode acontecer por ali, mas não custa acreditar que o Capitão, e outros projetos, irão ter um papel central nesse transformar.

 

Acredito que é possível fazê-lo sem sacrificar os interesses da maior parte da população, embora não seja fácil. Como lisboeta espero que o Capitão seja um lugar estimulante culturalmente e que possa ter um efeito benigno sobre a zona, contribuindo para uma dinâmica que potencie a densificação, o sentido de comunidade, o espaço público de qualidade, uma rede de transportes públicos à séria e o direito ao lazer e cultura. Algo que não seja apenas destinado ao consumo e turismo, mas que alcance um equilíbrio entre visitar, estar e habitar.

 

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