Diálogos Geracionais na Arte dos Açores

Havia uma tendência em pensar que antes do Walk&Talk, Tremor, da galeria Fonseca Macedo ou do Arquipélago, a criação contemporânea havia sido praticamente inexistente nos Açores. Agora existe um processo de reconhecimento.


“Olhamos para trás e percebemos que não caímos do céu. Houve um caminho e um conjunto de pessoas que foi criando um contexto preciso, apesar do isolamento, da quase invisibilidade e de não existir um sistema artístico forte e coeso”, assume Jesse James. Foi quando a equipa curatorial da Bienal decidiu fazer um mapeamento da vida cultural da ilha, seus agentes, projetos e plataformas, ver o que poderia ser colocado em relação, ou que já estava previamente em conexão, que se isso se tornou patente.


Carlos Carreiro, Tomáz Borba Vieira, José Maria França Machado ou Graça Costa Cabral e Medeiros Cabral, estes já falecidos, são alguns desses exemplos. “Já tínhamos trabalhado com o Carlos Carreiro, hoje com 86 anos, que durante muito tempo foi pouco validado, porque fazia pintura contracorrente com o que estava a acontecer, mas com um trabalho rico, colagem de diferentes tempos históricos e estilos, e depois temos também o caso do Tomáz Mota Vieira, fundador do Centro Cultural da Caloura, que desafiámos para ser um dos sítios fundamentais desta Bienal.” Foi ele que nomeou duas peças, do Medeiros Cabral, que morreu muito novo, aos 24 anos, e José Maria França Machado, para entrarem em diálogo com o trabalho da italiana Silvia Mariotti.

Entre as novas gerações artísticas açorianas, de Sofia Rocha a Beatriz Brum, que já cresceram com o Walk&Talk, a sua influência sociocultural, esse lastro vai sendo ratificado. Existem ecos, ressonâncias, contaminações. Uma vontade de diálogo que está presente em quase todos os momentos da Bienal - por exemplo, nos muitos momentos em que o folclore se tinge de contemporaneidade, ou quando o quotidiano é arte – e que também se vislumbra em Isabel Medeiros ou Joana Albuquerque, também elas da nova geração açoriana.


A primeira propõe um magnífico ensaio visual (“Aclarar”) no museu Carlos Machado, a partir da memória dos avós da erupção dos Capelinhos, numa arqueologia sensível da memória, que dialoga com “As chaves” de Ana Vieira, com o público a iluminar frases gravadas no escuro, enquanto a segunda, vê as suas esculturas interagir, na galeria Fonseca Macedo, com o registo, documental e poético, das fotos de José Pedro Cortes.


Na cave do Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, para além de obras de Beatriz Brum, Colectiva Malva ou Jane Jin Kaisen, há “Geoteluric Orison of Saltborn Reveries”, com curadoria CARA LAVADA, reunindo três artistas (Alex Furtado, Catarina Martins, CALO DO MAR E DA TERRA) da diáspora açoriana, onde se aposta em novos significados e desconstruções para essa ideia da “açorianidade”.

“São muito pertinentes as suas propostas. Não é sobre recusar um certo tempo, mas de reconhecer que agora há que incluir outras coisas, relações, mobilidades, uma dinâmica queer, outros corpos e fluxos”, diz Jesse. “Não deixa de ser crítica, irónica e questionadora, mas existe também vontade de construir. Tenho imensa esperança nesta nova geração que foi percebendo que há uma mobilidade através da Bienal. Aprende-se imenso com as pessoas que vêm aqui com as suas experiências, mas também com as que cá estão.”


Essa continuidade geracional sentiu-se no domingo passado, no magnífico espaço do Centro Cultural de Caloura, com pessoas circulando por entre esculturas, desenhos e vídeos, com trabalhos que expandem o campo sensível do território em sintonia com vibrações sísmicas ou ficções botânicas, como as peças da norueguesa Helle Siljeholm, misto de arte e investigação, explorando formações geológicas como corpos mais-do-que-humanos, ou as pinturas de Sofia Rocha que cruza geologia, ritual e espiritualidade, ou a prática de Lucy Bleach, da Tasmânia, centrada nas relações duradouras da humanidade e processos geológicos instáveis e transformadores.

 

Houve também performances por Bleach e Siljeholm, que colocou toda a gente a olhar para o céu, enquanto se ouvia música ambiental. Final perfeito de um dia num centro cultural que promete e realmente oferece, arte, vegetação luxuriante e contemplação.

 

Anterior
Anterior

Um Novo Ciclo para um Walk&Talk Inspirador  

Próximo
Próximo

Walk&Talk: Recuperar a Potência de Palavras Gastas como ‘Empatia’