Empatia é fixe. Mas a luta é política
A tolerância, o cuidado ou a empatia são conceções que devem ser incutidas. Discordo totalmente de Musk quando, há dias, afirmou que a “empatia é uma fraqueza”, falando do lugar do brutalismo politico, para usar a designação de Achille Mbembe, essa fase do neoliberalismo onde já não se disfarça que as pessoas que ficaram de fora do sistema não interessam ao projeto de poder que se quer implementar. Estão a mais. São supérfluas.
Dito isto. Tenho um problema com a omnipresença, nos últimos anos, no espaço público, da designação “empatia” quando ela parece corresponder a algo assistencialista que se substituiria à luta politica. Isso tornou-se comum. E é uma mistificação. Nos últimos dias com a morte do Papa Francisco tornou-se mesmo numa epidemia. Transformou-se num termo apaziguador e conciliador que tudo designa e, como tal, se dissipa, inócuo, vazio de sentido, sendo apropriado, conforme as conveniências, por causa da sua abstração.
A empatia, em si, essa forma de tentar alcançar o outro e ao mesmo tempo deixarmo-nos atingir por ele, tendo consciência das nossas e das suas circunstâncias, é algo benigno. O problema é quando se pensa que os problemas coletivos concretos de justiça social se resolvem apelando à empatia. Quando muito apazigua conjunturalmente, porque somos seres interdependentes e, por mais dolorosa que seja a existência de alguém, será sempre mais aliviada, por momentos, se partilhada com afeto na companhia de outros.
O problema começa quando, recorrendo ao apelo da empatia, se acaba por despolitizar as existências e experiências, desconsiderando o comum, o plural, o político, para o foco ser o singular, ou o ‘eu’ atomizado. Esquece-se a busca pela justiça social através da luta e das ideias políticas. Tem-se visto isso por estes dias a propósito do legado do Papa Francisco, com a maior parte dos discursos a concentrarem-se na figura humanista, cuidadora e empática.
Dessa forma tenta-se neutralizar a potência política da sua ação. Ora se existiu algo que o distinguiu foi a capacidade de articular pobreza, desigualdades, questões ambientais ou geoestratégicas, a partir da discussão de opções politicas, sociais ou económicas. Falou abertamente de “genocídio” na questão Palestina, dos impasses do neoliberalismo que criam cada vez mais precariedade e desigualdades ou da “crise ambiental” provocada por um sistema extractivista. Foi político, de uma forma que nem os políticos burocráticos da atualidade se permitem, e é isso que agora, após a morte, se procura dissipar.
A empatia é salutar. Mas quando se tenta mascarar a realidade com ela é apenas um subterfúgio utilizado pelos que o sistema ainda consegue servir – ou que se servem dele – dessa forma eximindo-se de responsabilidades políticas coletivas, por impotência, estratégia ou interesse. Mais do que a empatia dos que estão bem, quem está em sofrimento deseja a melhoria da sua vida. Não é a empatia que vai garantir saúde, educação, segurança social, cultura, emprego, habitação e cidadania plena a todos, mas a luta por novas formas, igualitárias, solidárias e progressistas, de viver em comum. Francisco sabia-o. Sabia da força da empatia. Mas também que nada substitui a potência da luta politica. E comprometeu-se, à sua maneira, com ela, até onde alguém no seu lugar se podia permitir ir.