Uma banda vital para estes tempos: Model/Actriz

Foto: Josh Darr

Há bandas assim, que conseguem sem aparente grande esforço, com a sua música e atitude, sinalizar um determinado tempo, a partir dos seus primeiros lançamentos. Para me ficar pelos últimos trinta anos, aconteceu com os The Strokes ou The Whitestripes na alvorada dos anos 2000, seguiram-se os LCD Soundsystem ou Arcade Fire, ou já nesta década com os Idles ou Fontaines DC. Podem não ser as mais populares, ou as mais singulares, e até em alguns casos depois podem neutralizar o que construíram nesse gesto inaugural, mas durante um determinado período sintetizam o que vinha de trás, conciliando o presente e o porvir.

Como é evidente trata-se de algo subjetivo, indeterminado e não universal, mas existem momentos em que se sente algo assim. Foi o que experimentei quando vi os nova-iorquinos Model/Actriz ao vivo, na ZDB, em Lisboa, em Novembro de 2023. Meses antes haviam lançado o catártico e excelente álbum de estreia, “Dogsbody”, mas foi como se aquele momento ao vivo desse uma forma concreta a algo que não sabíamos que andávamos à procura. Como se algo indefinível adquirisse sentido naquela performance, em simultâneo, demolidora e frágil, feroz e sensorial, que ali se experimentou. “Foi uma daquelas noites”, como na altura escrevi, “irrepetíveis”, porque ficou claro que dificilmente voltaríamos a ver aquele quarteto assim, naquela pequena sala, com o cantor Cole Haden a fitar-nos nos olhos, sempre no meio do público, nunca forçando a participação, mas convidando-o de forma irresistível.


Depois vieram muitos mais concertos pelo mundo (tocaram a horas tardias, o ano passado, em Coura, mas ainda assim quem viu não esqueceu, e estão programados para o Kalorama a 20 de Junho) e esta sexta é lançado o novo álbum que os fará estourar. Porque “Pirouette” é isso: um estouro. Uma música rock que se dança, com ruído, industrialismo, pós-punk, fisicalidade, suor e amor, misto de desejo em bruto e vulnerabilidade localizada, com o som enérgico no centro e as acrobacias vocais de Haden, entre o registo falado algo irónico e o canto em falsete. Dir-se-ia que funcionam na corda bamba entre caos, desejo de fusão e introspeção. O som é como os espetáculos, entre o desejo de formação de uma comunidade, onde a hipermasculinidade rock se dilui na sensualidade queer, e a procura da intimidade. Existe urgência e grito, mas também sussurros ao ouvido, e voluptuosidade dançante.


Como é evidente descobrem-se imensas ascendências e contaminações (no-wave dos 70’s, pós-punk ou Young Gods dos 80’s, até LCD, Battles ou Moin, bem como congéneres contemporâneos como os Mandy, Indiana, Still House Plants ou YHWH Nailgun), mas existem deslocamentos e torções, texturas metalizadas, e uma maleabilidade melódica no ruído, que lhe permitem aquele grau de familiaridade e espanto, que provoca toda a diferença. Quem vier à procura do confronto sónico brutalista levará com “Poppy”, “Ring road” ou “Audience”, enquanto a veia dançante é mais explorada em “Vespers”, “Departures” ou “Cinderella”, havendo também luxúria queer em “Diva”, e até duas baladas, a acústica “Acid rain” e “Baton”.

Tudo junto, dá faísca.

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