Esplendor na Relva com Blood Orange
Há duas semanas, a propósito do magnífico “Baby”, de Dijon, escrevia que havia chegado, finalmente, um álbum para iluminar o Verão. E eis que, quase de rajada, saíram, mais dois: “The Passionate Ones“ de Nourished By Time e, principalmente, “Essex Honey”, do inglês-a-viver-em-Nova-Iorque Devonté Haynes, ou seja, Blood Orange.
São álbuns que partilham pontos de partida semelhantes, qualquer um deles movendo-se naquele movimento instável onde há um corpo pop de familiaridade e singularidade, colagem de tonalidades tão melancólicas quanto luxuriantes.
São álbuns de influências múltiplas, afirmando-se pelo seu ecletismo, sendo possível nomear inúmeras ascendências em qualquer dos casos. No caso de Blood Orange, a presença vocal da escritora Zadie Smith é significativa, funcionando o álbum como diário emocional, reflexão sobre o luto e o regresso ao Essex natal, mas a maior parte das aparições – mais do que colaborações – são de nomes conhecidos da música (Lorde, Caroline Polacheck, Mustafa, Tirzah, Ben Watt, Mabbe Fratti ou os acordes da guitarra de Vini Reilly dos Durutti Column na fantástica canção “The field”), sentindo-se influências múltiplas e algumas imprevisíveis (Arthur Russell, Prefab Sprout, Sade, Beach House, Philip Glass, Solange).
Tantas referências poderiam originar dispersão, mas não, sendo este o álbum mais coeso de Hynes, com uma atmosfera geral contemplativa, com violoncelos, sintetizadores e vozes em falsete que criam uma sensação de intimidade e conforto. É uma jornada emocional de grande nexo, com Hynes liquefazendo vários géneros (R&B, soul, rock, folk, jazz), épocas e estéticas, com uma fluidez raras, criando ao mesmo tempo uma sonoridade pop nostálgica e futurista.
É como se o regresso aos campos da infância e adolescência tivessem funcionado como reencontro feliz consigo próprio, depois de uma década de Estados Unidos. Certeiro.