Há música, poesia e verdade nos jeans coçados de Pedro Magalhães

Há música por todo o lado em “No Fundo”, nova exposição de Pedro Magalhães, no Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE), embora a mesma quase nunca se faça escutar.


Logo à entrada há uma TV a transmitir um concerto dos Faith No More, no Estádio do Bessa, Porto, no ano de 1993. As imagens são pobres, abstratas e o som é uma amalgama, mas o vídeo encontrado num qualquer recanto da internet, cumpre com a sua função: resiste, desafia, questiona.


Não tem qualidade, mas possui valor de culto, patenteando, até onde isso é possível, uma certa ideia de verdade, numa época onde tudo se evapora.  É um borrão desgastado que parece escarnecer das promessas de perfeição da tecnologia digital.

Numa outra sala, temos três fotos de jeans coçados e rotos. Rock & roll. Visceralidade. Exibição sem simulacros. Uma certa noção de rebeldia que parece ancorada num outro tempo. Ou então, feridas, vazios, vontade de partir, o desvanecimento quase total. Poesia, à sua maneira. E outra vez o expor generoso de uma certa vulnerabilidade.


Pressente-se que esta é uma exposição que parte muito das memórias e das experiências subjetivas do próprio artista, embora isso nunca seja assinalado, e em particular a partir da sua relação com o universo da música. Ao longo do percurso isso verifica-se: lá estão cassetes, gira-discos, fitas de gravação, uma t-shirt de Jimi Hendrix, um cartaz de concerto dos Sunn O))) ou uma obra que alude a uma sinfonia de Glenn Branca. Indícios, objetos, peças e fotos carregadas de significados ocultos, de materialidade, de formas de ser e resistir.


Não existe uma tentativa de atribuir um sentido preciso, uma organização consciente. Há punk, jazz, rock, experimentalismo, prenúncios e deformações de subculturas, boémia, errâncias, acasos. Há mais sombras do que movimentos lustrosos.

É preciso entrar, abraçar, deixar-se envolver, mais do que querer compreender. Como noutras exposições de Pedro Magalhães existe um fluxo contínuo entre linguagens. O som é matéria plástica que pode ser visualizada, e a imagem pode ser sonorizada, ganhando ritmo, textura, cadência, envolvência sónica. As fotos ou os vídeos não procuram fundamentar a realidade. Não é por aí. Produzem uma verdade sensorial, quebrada, afetiva, intimista.

Som e imagem são traduções simultâneas, não hierárquicas, contaminando-se e reescrevendo-se em simultâneo. Como noutros projetos da sua autoria, a intersecção entre media visuais e sonoros é explorada. Na última sala uma instalação ocupa o espaço, com múltiplos canais de vídeo e som, televisores, ecrãs, cabos, amplificadores de guitarras, recriando uma composição sonora em aberto, com múltiplas leituras possíveis.


Na inauguração, o coletivo Ensemble Decadente, na companhia do artista, ativou a instalação, ocupando o espaço numa magnífica performance sónica e visual, criando um diálogo entre música, luz, acordes de guitarra flutuando, sombras e movimentos, num todo feito de esquissos, indefinições, sons pairando na atmosfera.


Não há propriamente um principio ou fim. Estamos sempre numa espécie de devir. Um estado contínuo, por entre fragmentos, colagens, percepções e agitações que não chegam a formar um todo coerente. É uma zona subterrânea, no fundo, que atravessamos, acumulando memórias e tensões do presente, o som da vida a acontecer.


Curadoria de Ana Cristina Cachola. Até Março de 2026.

 

 

 

Próximo
Próximo

My Bloody Valentine: “Um estúdio, árvores e passarada! O que podemos pedir mais?”