Há Muitas Formas de Privatizar o que é Público como as Praias

Protesto de 27 de Julho na praia de Melides

A privatização do espaço público no eixo Tróia – Melides tem sido noticia nas últimas semanas. Por norma evoca-se a lei para esgrimir argumentos. Os que se sentem lesados alegam que a lei proíbe a privatização de praias. Os donos dos empreendimentos que apenas querem a tranquilidade dos clientes. Os espertalhões, perante os protestos, alegam, com cara de anjo: o que reclamam eles, se as praias são públicas?! E governo comunica com pompa “guerra” à privatização da costa.

A questão não é a lei. São as formas subtis de prescindir dela, através da economia, da adoção de estilos de vida exclusivos ou, sim, com exceções à lei quando convém.O problema é o modelo de desenvolvimento ali adotado. A conivência entre interesses económicos, com poderes políticos locais e nacionais, colocando em causa o ambiente, a biodiversidade, o ordenamento, a escalada dos preços da habitação, a descaraterização das comunidades. O problema é quando os diferentes equilíbrios não são acautelados e a gula de alguns arruína o que é de todos.

Ninguém pode impedir o acesso à praia. Mas os mecanismos engendrados, por processos de dificultação, de desconforto social ou de exclusão, num país empobrecido à mercê de interesses especulativos, vão-se intensificando. O acesso às praias cria ressonância popular, daí a ação do governo, mas é instrumentalizável, porque gera-se a ideia de que basta fazer cumprir a lei para estar tudo bem. Não é verdade. O poder é um campo social de forças, onde as relações não se coligem apenas em termos jurídicos. Desde, pelo menos, 2010, que as restrições, que em muitos casos implicam, na prática, vedar o acesso à praia, são uma questão na zona.

E só não está pior devido a alguns cidadãos, que se foram organizando, formando focos de resistência. Existem muitas formas de colonizar o espaço público, tornando-o exclusivo. O aumento exponencial do preço do ferry boat é simbólico. Funciona como dissuasor. Não é proibido andar de ferry, mas é proibitivo para a maioria.

Ninguém é a favor do imobilismo ou contra a riqueza. Mas quando as mudanças são promovidas tem de se ter em conta ponderações, tangentes, diferentes interesses em jogo, transparência nas decisões, tentando que entre residentes e turistas, capital local e global, interesses privados e bem comum, exista alguma estabilidade. A atuação politica é indispensável, olhando para o conjunto de interesses em jogo, e como se relacionam entre si, sabendo escutar cidadãos, entidades ou associações.

A estetização do espaço público para ir ao encontro de um determinado gosto, associado a certos estilos de vida, do qual só usufrui quem detém capital, é a forma mais arcaica de exclusão. Nenhum território pode depender apenas de um só vetor de desenvolvimento, assente no turismo de exclusividade, pondo em causa o ambiente e os precários equilíbrios socioeconómicos. No inicio destes processos criam-se sempre ilusões. Os poderes locais enchem cofres. Alguns residentes vendem património. Outros encontram emprego nas multinacionais. Mas a médio prazo também esses serão excluídos, não acedendo às lógicas, consumos e estilo de vida, que ali são avaliados. Um dia darão por si a serem figurantes de um território que já não é o seu.

A pergunta a fazer nas eleições que aí vêm, às diferentes forças politicas, não é se vão deixar privatizar as praias, porque todas responderão o mesmo. A pergunta a fazer é que modelo de desenvolvimento querem implementar naquela zona?

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