O que Poderia ser um Partido de Esquerda para o Futuro?
Foto: Scotti Leonardo
Há duas semanas, em poucos dias, mais de 700 mil pessoas, assinaram um formulário de adesão para um novo projeto político de esquerda de Jeremy Corbyn e Zarah Sultana, em Inglaterra. Ainda não existe taxa de filiação, mas se os números se confirmarem, será o partido com mais filiados do Reino Unido, totalizando o número de membros de Trabalhistas, Conservadores, Liberais e Reformistas, todos juntos. E mais significativo: a base de apoio são jovens. Surpreendente? Sim e não.
Há poucas semanas, no contexto de uma discussão pública para que a idade de votar fosse alterada para os 16 anos, Jeremy Corbyn, 76 anos, era apontado por sondagens como o político britânico mais popular entre os jovens. Ou seja, se houvesse eleições neste momento, e os jovens de 16 e 17 anos, pudessem votar, Corbyn era um dos políticos mais bem posicionados para ganhar. O que mudou em meia dúzia de anos quando Corbyn, então líder trabalhista, perdeu de forma clara para Boris Johnson?
Ele não mudou um milímetro, fazendo a sua travessia como deputado independente, enquanto o partido Trabalhista se reaproximava do centro. O contexto, sim. Ele manteve-se fiel a princípios de esquerda, sendo transparente, algo valorizado pelas novas gerações, saturadas de cinismo, e de partidos de esquerda que quando chegam ao poder deixam de ser de esquerda. Mas acima de tudo, alguns dos seus princípios, em poucos anos, face ao avanço do neoliberalismo desenfreado, do conservadorismo e do neofascismo, estão a revelar-se aliciantes junto de muito eleitorado jovem.
Perante a lenta desagregação do neoliberalismo, um crescimento económico globalizado cada vez mais residual e desigual e um planeta esgotado, poder-se-iam ter ativado modelos onde a redistribuição da riqueza e do poder pudessem dar origem a uma nova era de processos de solidariedade. Mas não. Em vez de refazermos o sistema no sentido da maior justiça social, voltaram nacionalismos, fascismos, racismos, dinâmicas ultraliberais e redes protetoras dos seus próprios interesses.
A direita brutalista ganha terreno por todo o lado. A esquerda tem reagido, tentando preservar o que é posto em causa, mas não tem sido capaz de enunciar novos horizontes. Do ponto de vista ideológico existe baralhação. Daí que tenhamos hoje, em Portugal, gente nos vintes a enunciar que Portugal viveu em socialismo 50 anos, ou a crer que o neoliberalismo é uma grande novidade, quando foi, essa sim, a ideia predominante das últimas décadas. Há muita confusão. Ausência de memória. E um quadro socioeconómico, político e ambiental, complexo e cheio de impasses.
Não surpreende que para muitos jovens, já não assombrados por fantasmas do passado, as raízes fundadoras de socialismo, comunismo ou social-democracia, sejam vistas como aliciantes, existindo muitas diferenças, mas também pontos comuns na resposta às desigualdades e na valorização do bem comum. Não admira que, para dar meia dúzia de exemplos mais conhecidos, Corbyn, ou Sanders, Cortez e Mamdani, nos Estados Unidos, ou Varoufakis, Caroline Lucas, Sanna Marin, na Europa, tenham muitos jovens atrás de si. O seu discurso tem pontos de ligação, enunciando aquilo que tem vindo a ser refletido há décadas: a redistribuição de riqueza e poder tem de ser mais efetiva, com taxação justa entre os mais ricos, sendo os serviços essenciais – energia, água, saúde, habitação, transportes, cultura – preservados dos interesses privados, apelando ao mesmo tempo a uma democracia mais participativa.
É verdade. Não estamos nem aí. Estamos na ausência de razão, da compressão salarial, da precariedade, da escravidão, das mudanças climáticas que quase ninguém parece querer enfrentar, da desumanidade, do genocídio, das guerras como principal investimento da economia, da depressão ou agressão, numa desintegração triste.
Mais do que recuperar o lugar da esperança, talvez seja preciso resgatar o conhecimento, a imaginação e ousar meios concretos de conceber modos de relacionamento e de vida diferentes. Ao mesmo tempo pensar em formas de ampliar a participação cidadã, valorizar a redistribuição da riqueza e poder, mas também do tempo. Regular as grandes transformações tecnológicas, no sentido da equidade e do bem-estar coletivo. Propor transições enérgicas justas, com incentivos à economia circular e regenerativa, equacionando uma educação centrada no pensamento critico e ousando um pluralismo verdadeiramente inclusivo.
Estamos longe. Não vai ser fácil. Mas não é impossível. E não se parte do zero.