O transe de RUI MOREIRA
Foto: VB
Cheguei à obra de Rui Moreira por voz amiga e um artigo de jornal. Foi em 2016 antecedendo a exposição “Pirómano” no Pavilhão Branco, em Lisboa. O seu trabalho tem sido exposto sobretudo além-fronteiras, onde tem percurso saliente, e em exposições coletivas.
Nessa entrevista fazia várias afirmações que despertavam a atenção. Falava de intensidade, de fisicalidade, de corpo, de intuição, de música rock incisiva como influência, de desenhar ao ar livre em condições por vezes extremas, de viagens ao deserto ou à selva amazónica, de dar tempo ao tempo, e do seu trabalho estar profundamente ligado à sua vida. Dele e a obra serem a mesma coisa.
Depois, ia-se ver, e à primeira, não era muito fácil perceber o que afirmava no que se via. Mas só à primeira, porque numa análise mais atenta e demorada, percebia-se uma arte com imensas ramificações, que mastiga muitas referências (das imagens de Herzog à música dos Swans, até à arte performativa indiana Kathakali), para se revelar inventiva, vivida, expondo consequências que não víramos ainda assim. Agora, no MAAT, em cerca de 80 desenhos e pinturas, numa curadoria de João Pinharanda, naquela que é a sua primeira exposição antológica, é mais fácil abranger tudo isso.
A exposição chama-se “Transe” e faz todo o sentido. Pressente-se qualquer coisa em bruto, um gesto primitivo primordial, que vai sendo decomposto por repetições, minucias e obsessões. Não existe um “antes” e um “depois”, mas um fluxo contínuo onde tudo está em constante mutação, num ato relacional, que resiste a ser concluído.
Não é por acaso que a exposição não está montada por núcleos temporais. Tudo se mistura, num eterno presente. Transe como rendição, esse tipo de energia, de fluir, de abandono. Quando as defesas se vão, e o corpo responde apenas à vontade. É aí, nesse ponto, nesse deixar ir, que Rui Moreira, começa a desenhar.