Parar, escutar, respirar: Vijay Iyer & Wadada Leo Smith

Foto: Ogata

Inquietação por todo o lado. Existências que se decidem num apressar constante. Como desacelerar, escutar, respirar e não perder a lucidez, a consciência do que acontece no mundo, num ato de mera alienação? Em parte, foi essa a pergunta que guiou a gravação do álbum “Defiant Life”, por dois músicos consagrados do jazz mais inclassificável, como são o pianista e compositor Vijay Iyver e o trompetista e compositor Wadada Leo Smith.

 

Para além de um passado ilustre de obras em nome próprio, ou enquanto líderes de várias formações e de inúmeras colaborações – Vijay lançou, por exemplo, em 2023, o notável “Love In Exile” com a cantora Aroof Aftab e o multi-instrumentista Shahzad Ismaily. Esta é, aliás, a segunda vez que Iyver e Wadada gravam juntos, depois de terem lançado “A Cosmic Rhythm With Each Stroke” (2016), também na ECM Records.

Os dois passavam por um período de angústia e indignação, com a questão Palestina, e não só, no seu horizonte de pensamento, quando resolveram voltar a gravar juntos. Mas ao mesmo tempo não queriam afundar-se na zanga e ressentimento, porque são personalidades que continuam a ter confiança nas possibilidades humanas. Não surpreende que seja um disco que começa num prelúdio de desolação para, lentamente, por entre deambulações tranquilas, cósmicas e jazzísticas, ir deixando entrar a luz.

 

Ambos sabem escutar-se quase telepaticamente, atribuindo espaço e tempo para cada movimento, com as peças desenvolvendo-se langorosamente, organizando-se em torno de estruturas quase subliminares, numa toada introspetiva, meditativa ou espiritual. É daquelas obras onde tem de existir predisposição para a quietude, num disco de atmosferas que explora o silêncio, os microscópios eletrónicos e as hipóteses expansivas como elementos nucleares.

 

Em fundo, existem muitas leituras sociopolíticas, sendo duas mais explícitas. O escritor e ativista palestino Refaat Alareer, morto em 2023 num ataque aéreo de Israel, é homenageado na peça contemplativa “Kite”, enquanto o primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba, assassinado em 1961, é também evocado, em momentos de improviso, com o piano acentuado a aura onírica, em combinação com as linhas de trompete flutuantes. A estética é esquelética, mas tensa quanto baste, com rajadas de trompete sustentadas por clarões eletrónicos ou pelo melancólico piano minimalista.

 

Música para suspender a realidade mais frenética e respirar fundo.

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