STUDIO: Rapazes Suecos na Praia
Foto: Studio
Originalmente lançado em 2006, o álbum “West Coast” da dupla de culto sueca Studio, foi agora, em 2025, relançado, e soa tão evocativo e futurista como então, mistura de evasão, música de dança e brisa rock. Na altura em que saiu, entrevistei-os.
“Não, não, o título não é uma alusão ao espírito aprazível e caloroso da Califórnia, é uma referência à localização geográfica da nossa cidade, Gotemburgo, no contexto da Suécia”, profere Rasmus Hägg, quando questionado sobre a opção “West Coast”, para nome do álbum que criou na companhia de Dan Lissvik.
Há alguma ironia nas suas palavras. Um ironia presente também no título de algumas canções como “Life’s a beach!” É evidente que o título “West Coast” não é inocente. A meio de 2007 já é possível determinar duas orientações no confuso mapa pop. Uma aponta para o regresso do frenesim corporal à pista de dança, com os sons enérgicos, cortantes e hedonistas dos franceses Justice, dos alemães Digitalism ou dos ingleses Simian Mobile Disco.
A outra, no sentido inverso, aponta para a evasão, o sentido lúdico, a criação de fantasias sónicas sem compromisso. Mais do que um tipo de som, é um estado de espírito, forma de imaginar os dias de calor, como se constata ouvindo a reedição do álbum “E2-E4” de Manuel Göttsching ou experimentando “Claremont 56” do projecto inglês Mudd ou ainda as produções dos noruegueses Lindstrom & Prins Thomas e Todd Terje – que já remisturaram os Studio. E a estes ainda se poderiam acrescentar os californianos Rub N’ Tug ou o inglês Harvey a viver em Los Angeles, que se preparam para confundir, ainda mais, os melómanos menos precavidos, com o projecto Map Of Africa.
Nada os parece aproximar realmente e, no entanto, há uma sensibilidade comum, para além de quaisquer fronteiras. Mas não é isso o mundo da criação contemporânea? Imensa terra de ninguém passível de ser habitada por todos, pela partilha de referências comuns, onde a diferença se justifica pelas razões mais mirabolantes, como o clima. “Talvez a nossa música seja solarenga como reacção aos longos invernos na Suécia, mas também é verdade que as nossas composições mais melancólicas e mesmo depressivas foram realizadas em pleno Verão” diz Hagg.
Em “West Coast” há duas extremidades que, no final, se complementam. Existem aproximações à estrutura da canção em “West side”, “Self service” e “Origin”, com uma voz ocasional a revelar-se não muito distante de Bernard Sumner dos New Order, envolvida por subtis aplicações electropop e recriações psicadélicas. Em “Out there”, “Life’s a beach!” e “Indo” predominam as longas digressões instrumentais, com linhas melódicas de guitarras que parecem reproduzir o dedilhar lírico de Vini Reilly dos Durutti Column, sequências rítmicas hipnóticas a velocidade moderada, sintetizadores cósmicos e técnicas de estúdio dub, num todo que evoca voluptuosas noitadas de calor.
Uma amálgama de referências reconhecíveis que, no entanto, acabam por criar um corpo sónico singular. “Devemos, sem dúvida, muito à nossa colecção de discos. É ela que acaba por definir o nosso som. Mas, por outro lado, o que ouvimos e consumimos ao longo dos anos é apenas algo que faz parte de nós. Quando estamos em estúdio não é nisso que pensamos. Deixamo-nos ir, sem juízos preconcebidos e o que sai é aquilo.”
E como fazer para que uma faixa de mais de dez minutos não se transforme num exercício fatigante? “Tornando-a envolvente, mudando de ânimo ao longo do percurso”, explica Rasmus. “Mas não existem regras. Às vezes dois minutos são suficientes para apresentar uma boa canção. Outras vezes são precisos quinze.”
Os dois suecos conheceram-se em 2001 quando frequentavam uma escola de artes. Dan Lissvik vivia num estúdio e quando lhe perguntaram como definia o seu trabalho artístico respondeu, laconicamente, Studio. O nome ficou e, depois de alguns singles editaram “West Coast” (existe uma outra edição intitulada “Yearbook 1”, com mais um tema), o álbum que inicialmente foi distribuído em Londres, de bicicleta, por um amigo. Depois o boca-a-boca aconteceu e o álbum acabou por chegar à maior parte das lojas de maneira decente. Agora preparam-se para realizar espectáculos ao vivo, embora essa não seja uma prioridade. “Não nos queremos preocupar em demasia. Gostamos de estar relaxados, sem grandes compromissos, nem com a imprensa.”
Tudo neles é reserva. O seu ideal de um dia bem passado é “uma pequena festa de praia para amigos num dia solarengo”, a sua música é discreta e delicada, as fotos de promoção são quase inexistentes e até a sua página no MySpace é comedida. Têm uma pequena estrutura editorial, a Information, onde desenvolvem, para além de música, trabalhos na área do design e da imagem. Querem discrição, mas a forma entusiasta como o seu álbum de estreia tem sido recebido é capaz de lhes estragar os planos.
Publicado no jornal Público em Junho de 2006.