Zohran Mamdani: Novidade ou retrotopia?
Foto de Mamdani e da mulher, Rama Duwaji, por Kara McCurdy.
Muito se tem falado dele, Zohran Mamdani, 33 anos, que se descreve como socialista democrático, candidato oficial democrata para as eleições à câmara de Nova Iorque, nas autárquicas de Novembro, nos EUA.
Na base do apoio popular, para além das questões pessoais (jovem, enérgico, confiante) e formais, com dois vértices principais, domínio da comunicação nas redes sociais e operações quase porta a porta, parece estar uma campanha que apostou em falar claramente de habitação acessível, rendas, desigualdade, salários, transportes, saúde e creches públicas ou comércio local, sem esquecer as questões de género, raciais ou ambientais.
O que seria de esperar. O problema é que vivemos num mundo tão distópico, ficcional – Trump, claro, já veio dizer que é “comunista”, tentativa de o demonizar – e num plano inclinado tão para a direita, que aquilo que parece elementar, se tornou em algo de excecional, daí que Mamdani esteja a ser visto como a luz ao fundo do túnel por muitas vozes progressistas. Calma.
Digamos que Mamdani, americano, nascido no Uganda, de pais indianos, muçulmano, recuperou para o seu discurso aquilo que a maioria dos partidos de esquerda, se esquece, nos EUA como na Europa, quando ascende ao poder: de governar realmente à esquerda.
Tão preocupados com a gestão dos mercados e um crescimento económico residual, que vai parar sempre aos mesmos bolsos, esqueceram-se da equidade e da justiça social. O socialismo vai para o lixo, fica o liberalismo suave.
O discurso de Mamdani tem, aliás, pontos de contato com o de veteranos como Corbyn ou Bernie Sanders, com o aumento de impostos para os super-ricos no horizonte e expondo que o que se passa na Palestina é genocídio. O que, no contexto atual, é uma aragem de ar puro, mas sem nada de radical.
O sintoma Mamdani parece antes inscrever-se naquilo que Zygmunt Bauman (1925-2017), caracterizou, pouco antes de morrer, como tempos de retrotopia.
Por desmemória, manipulação ou insuficiência em conceber novas abordagens, temos visto nos últimos anos novas gerações entregues a ideologias do passado, vividas como se fossem a última novidade da estação, do neofascismo ao neoliberalismo, regressando nacionalismos, protecionismos, gestos autoritários, redes de interesses e lógicas ultraliberais. Mentes e ideias em putrefação, para corpos novos.
Para contrapor a esse domínio conservador hoje no mundo, é necessário ter uma agenda própria, outras grelhas de leitura da realidade expostas com clareza e soluções políticas.
Para já, Mamdani, inspirou-se nos fundamentos perenes do socialismo o que traz uma aura de novidade porque a esquerda liberal quando esteve no poder nunca conseguiu ser, enfim, socialista. Só isso, no contexto atual, é muito. Não vale a pena idealiza-lo. Pode ser um fenómeno circunstancial, mas o sintoma que aspirou é real. Existe uma ânsia popular por mudança, embora refreada por medo e insegurança.
Tempos perigosos, mas também em aberto. Não espantará se as principais dificuldades que Mamdani enfrentar vierem do interior do próprio partido democrata. Mas é quando as placas tectónicas das estruturas de poder se começam a mexer que tudo pode acontecer.